segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Pedra do Moleque

Há algum tempo o Xaxá havia me convidado para participar de uma homenagem ao Kássio que seria feita pelo CEM, família e amigos em Campanário, uma cidadezinha perto de Teófilo Otoni. Como eu sempre tive muita vontade de conhecer as pedras da região, topei na hora, e a única data ironicamente fechada foi o feriado de Finados.

O Kássio foi um grande montanhista, conquistador de várias vias entre elas algumas na Pedra Riscada e outras grande pedras da região. Ele era natural de Itambacuri, e na sua infância frequentou muito a fazenda da família de um de seus amigos, o Tutinho. Nessa fazenda fica a famosa Pedra do Moleque, e Kássio foi um dos conquistadores da única via dessa pedra, chamada Genesis Apocalíptica. Ele foi brutalmente assassinado por um aluno em 2010, e esse crime chocou a comunidade escaladora e a família profundamente.
Mais informações:
http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/professor+morto+por+estudante+sera+enterrado+hoje+na+grande+bh/n1237858825039.html
http://www.youtube.com/watch?v=wxxcT0wHPIY

A idéia era ir até esta fazenda para prestar uma homenagem ao Kássio, fazendo a primeira repetição desta via e plantando uma árvore em seu nome. A família compareceu em peso, e todos nos receberam muito bem. Mas essa homenagem é assunto pra outro post.

Saímos de BH às 4:30 da manhã na sexta, dia 2 de novembro, e tocamos pra Campanário. A estrada é muito movimentada, e cheia de curvas, o que atrasa muito o trajeto. Rodamos algo em torno de 420km e chegamos na fazendo por volta das 11:30, onde fomos extremamente bem recebidos pelo Tutinho e sua família. Enquanto aguardávamos o restante da família e dos amigos chegarem, o Tutinho nos levou pra dar uma volta na fazenda para conhecer as pedras mais de perto. Incrível!!! Escalada para uma via inteira somente neste lugar!!! Fora a quantidade de pedras gigantescas que conseguíamos avistar ao longe.


vista da estrada


pedra do moleque com o perfil da cabeça do moleque




A fazenda fica num vale entre 3 pedras fantásticas, das quais somente a pedra do Moleque já foi escalada. Esse nome se dá devido a  uma "laca gigantesca" que está anexa ao monolito, e em sua ponta existe o que chamam de cabeça de moleque, um bloco de pedra de 6m de altura por 1,80 de largura que está simplesmente apoiado no topo da laca, criando uma imagem extremamente intrigante aos olhos de quem a vê de longe. O potencial da região é enorme, e as paredes são em sua maioria todas virgens!!!

vale com a pedra do moleque ao fundo e duas outras pedras
magníficas na fazenda

Mais no final da tarde chegaram os companheiros que fariam a escalada conosco: Ivana (amiga de Kássio e uma das idealizadoras da homenagem), e Renata e Rodrigo, um casal de ex-alunos do Kássio que participaram da conquista da via Genesis Apocaliptica. Enfim, fomos dormir torcendo pra São Pedro colaborar conosco no dia seguinte.

Acordamos por volta das 6 e meia da manhã e o tempo estava nublado mas estável, o que para nós seria perfeito pra segurar o calor. Arrumamos tudo e saímos as 8 horas da fazenda em direção à pedra do moleque em cima da 4x4 valente do Tutinho. A caminhonete nos deixou no pé da pedra mas ainda faltava abrir trilha em um trecho de mata para chegar à base da via.

Tutinho foi na frente com o facão abrindo caminho, e nós 5 (eu, Xaxá, Rodrigo, Renata e Ivana) fomos seguindo atrás. Depois de uns 40 minutos de caminhada chegamos então à base da gigantesca laca e podemos ver toda a extensão da via e as enormes chaminés que nos esperavam.

Ivana e Rodrigo na trilha

Tutinho abrindo a trilha

A via segue uma canaleta gigantesca formada exatamente no encontro da laca gigante e do monolito de granito. Canaleta esta que também é ponto de escoamento de água e tudo mais que vier montanha abaixo, então encontramos uma via muito suja e com muitos blocos e pedras soltas. Pura escalada de aventura!

base da via

visual do moleque... a via segue a canaleta até a base da cabeça do moleque

O Rodrigo começou guiando a primeira enfiada, com a Renata e a Ivana de segundas. Eu e o Xaxá, fizemos uma cordada e fomos seguindo num trecho de escalada positiva com poucas possibilidades de proteção. Já na segunda enfiada, tivemos uma idéia do que teríamos pela frente. Em um trecho de artificial em 2 grampos e 2 parafusos, os 2 grampos estavam completamente amassados e tortos, sinal de que muita pedra deveria ter rolado naquele local. Depois desse trecho de artificial, entramos na canaleta e predominou o trepa mato/pedra, com bastante rocha solta e vegetação, e alguns trechos lindos de chaminé. Chegamos ao final da segunda enfiada, que acabava numa chaminé muito bonita com um grampo no topo e um furo de cliff um pouco abaixo. O Rodrigo entrou guiando, fez o lance com o cliff e costurou o grampo. Depois disso continuou seguindo, mas no momento de dominar o final da chaminé, pegou em uma pedra solta que rolou em cima da sua mão e por muito pouco não rolou chaminé abaixo onde estávamos nós 4 esperando. UFA!!! Descemos o Rodrigo e o Xaxá resolveu subir para tentar o lance e, depois de entalar alguns nuts em umas pedras soltas (oh medinho!!!), colocou um estribo e conseguiu passar a chaminé. Chegando na terceira parada, fixou a corda e antes que nós 4 subissemos jumareando, aproveitou e jogou a tal pedra solta chaminé abaixo.

Quando chegamos todos os 5 na terceira parada, começou a garoar. Olhamos para o horizonte e o tempo estava bem fechado pra todo lado. Somado a isso, pelo fato de estarmos em 5 e termos gasto muito tempo nesse trecho da via, a hora já estava bem avançada e começamos a ficar preocupados em ter que rapelar no escuro. Nesse momento conversamos e julgamos mais prudente parar por ali e começar a descida. A cabeça do moleque teria que ficar para uma próxima vez.

Paramos por um tempo, conversamos bastante sobre o Kássio e gravamos alguns depoimentos bem emocionados da Ivana e do Rodrigo (que pretendemos colocar num documentário mais pra frente). O Xaxá  fechou os depoimentos com uma mensagem muito bonita, e deixou um livro de cume que o CEM fez especialmente para aquela via naquele local mesmo. Conversamos ainda por alguns minutos, e então começamos os rapéis, e pouco mais de uma hora e meia depois estávamos já na base. Nesse momento então, São Pedro avisou que não conseguiria mais segurar a onda e liberou a chuva nas nossas cabeças.

Apesar de não termos chegado na cabeça do moleque no final da via, a escalada foi incrível!!! Pouca proteção fixa, muita árvore, chaminés, fendas, trepa/mato, todos os ingredientes de uma grande escalada de aventura!!! e que visual incrível das montanhas ao redor... Na volta ficamos bestificados olhando a possibilidade de linhas que aquela pedra pode oferecer.

Xaxá, valeu demais o convite! Apesar de não ter conhecido o Kássio pessoalmente, me senti muitíssimo bem recebido pelos familiares e amigos, e conhecer esse lugar fantástico foi realmente um privilégio. Que venham as próximas incursões!!!


Um comentário:

  1. Excelente, moçada. Parabéns! Montanhismo da melhor tradição, como merecido pelo Kássio.
    E já se pode pensar numa incursão na área para abrir outra via noutra pedra e, no embalo, fazer mais uma repetição da Pedra do Moleque, levando a urna de cume mais acima, uns lances ou todos, conforme o caso. E com a vantagem de já achar a chaminé limpa. Gostaria muito de tomar parte. Valeu!
    Celso Ferreira Gomes - Roncarati

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