terça-feira, 9 de junho de 2015

Brincando (e apanhando) de Bigwall em Cambotas

Saí de Alfenas na quarta à noite depois do trabalho e fui direto até a casa do Dante. Dormi por lá e na quinta cedinho saímos, passamos para pegar o Guilherme e fomos direto para o Canela de Ema. Chegamos lá por volta de 10 da manhã e, depois de alguns dias de chuva ao longo da semana, o tempo prometia estar bem estável e com temperaturas bem agradáveis.

Preparamos as mochilas e tocamos pra cima. Com todos os equipamentos de escalada, bivaque e comida e água para 3 dias, dá pra imaginar o peso das crianças. Medimos com uma balancinha de mão e: 30 a 34 kg para cada um. Subimos bem a trilha e com pouco mais de 1 hora chegamos na base da pedra. Como Cambotas é bonito! O tamanho da pedra, a cor alaranjada e os formatos dos tetos e agarras impressionam o tempo todo. Não dá pra cansar desse lugar.



Com as mãos já coçando de vontade de escalar, decidimos esquentar num 6sup antes de começarmos a empreitada propriamente dita. Via sem nome mas muito agradável, segue uma linha diagonal pra esquerda de agarras grandes para terminar em um teto. Excelente para esquentar os dedos.

Guilherme guiando a diagonal inicial

final da diagonal

Com o corpo um pouco mais quente decidimos começar a peleja. O nosso objetivo era fazer o cume do Polegar de Cambotas pela via Quadrado Mágico, um 7a/b com crux de 8a. São 3 enfiadas, sendo duas fixas e a última um 5o grau toda em móvel. O polegar é um cume separado à direita do arco principal que pode ser acessado pelo grande platô que cruza todo o arco.

platô de mato cruzando o arco e base do polegar à direita na foto

Para acessar o platô escolhemos a via Direta na Aresta, um 8a todo fixo, bem protegido numa parede laranja muito bonita. Ali, içaríamos toda a carga para bivacar no platô e continuarmos pela Quadrado Mágico no dia seguinte.

O Dante estava com a faca nos dentes e quis sair guiando a Direta na Aresta. Com muita competência chegou até a base dupla e eu subi de segundo para me aclimatar em um 8o grau de Cambotas.

Dante no primeiro crux da Direta na Aresta


De lá, fixamos uma corda e rapelamos. Então decidimos jumarear nós 3 e içarmos as cargas. Aqui começou o treino de mini-bigwall.

Que peleja! E quanta falta de jeito! A falta de experiência e costume nos deu um couro no jumareio. 40 metros jumareando no vazio fgoram suficientes para esgotar as energias do dia. O Dante subiu primeiro, eu subi em seguida e montei o sistema para içar as mochilas com uma polia ching-ling do Dante. Resultado: na segunda mochila a polia travou e eu fiz o dobro de força para içar as outras 3 mochilas (sim, o Dante levou 2 mochilas o que totalizou 4 içadas).

O Guilherme jumareou já com o sol praticamente se pondo e fomos todos para o platô do Polegar. Um platô gigante com árvores, muita pedra e um visual magnífico!

jumareada no vazio

por do sol visto do platô de bivaque

Eu e o Dante armamos as redes nas árvores, o Guilherme armou o bivaque no chão, preparamos alguns jantares liofilizados e fomos dormir antes das 8 da noite.

Dia seguinte acordamos antes do sol nascer, preparamos um café da manhã e começamos a arrumar a tralha para a escalada. Combinamos que eu guiaria a primeira enfiada de 7b, o Guilherme tava na pilha para guiar o 8a e o Dante ficou com o filé do 5o grau em móvel. Sob muita neblina comecei a guiar.

platô gigante de bivaque


corredor de pedra nos fundos do platô de bivaque...
muita pedra pra todo lado...

A via é lindíssima! Segue pela aresta do polegar em uma sequência de agarras bem grandes e parede levemente negativa.

Pelo croqui, haveria uma parada dupla há uns 30 metros de altura. Fui tocando procurando a tal base dupla e de repente entrei em um crux bem difícil. Muito difícil para um 7b. Ali percebi que tinha emendado as duas enfiadas e estava quase chegando na P2. Já praticamente sem costuras no rack, e com os braços tijolados do crux resolvi pedir para me descerem até um platô onde havia um grampo e alguns bicos de pedra. Fiz uma parada equalizada com um bico e um grampo e chamei o Guilherme de segundo, seguido pelo Dante. O Guilherme partiu então para a P2, passou o crux de 8a com muita competência e armou a P2. Fui de segundo, seguido pelo Dante e armei uma parada num platô excelente logo acima da P2.

platô depois da P2

O Dante então assumiu a ponta da corda e passeou na 3a enfiada em móvel numa sequência incrível de agarras gigantes e fendas boas para proteger, e... CUME!!! Eu e o Guilherme seguimos, assinamos o livro de cume e tiramos algumas fotos. Que belo visual ali de cima! Meu primeiro cume em Cambotas e por uma das linhas mais bonitas que já escalei.


3a enfiada em móvel


Dali, fizemos o primeiro rapel até a P2 e então começaram os rapéis gigantes no vazio. Da P2 fomos direto até o platô em um rapel de mais de 50 metros no negativo. Haja frio na barriga! Tudo isso a uns 100 metros de altura.

rapel da P2 para o platô de bivaque... a via Aresta Eletrizante ao fundo...

Chegamos todos no platô, arrumamos as mochilas e pegamos o segundo rapel gigante no vazio até o chão. Dessa vez com as mochilas nas costas, chegamos os 3 com câimbras no abdomen, tamanho o esforço para manter o corpo na posição correta na descida.

Bem cansados, armamos o bivaque, cozinhamos alguma coisa e ficamos acordados batendo papo sob um céu estrelado como a muito tempo eu não via.

Dia seguinte, sábado, acordamos um pouco mais tarde, fizemos um café e já com os braços e dedos esmirilados não tivemos ânimo de escalar. Arrumamos as mochilas (agora um pouco mais leves sem comida e água) e rumamos de volta para o carro.

bivaque na base da pedra

Excelente experiência! Conversamos bastante entre nós sobre tudo isso que passamos e do trampo gigante que é misturar uma via de 8o grau com toda a complicação da logística de um big wall. No final tomamos um banho de humildade e nos limitamos à nossa insignificância. Combinamos então que precisamos treinar muito fisicamente e tecnicamente para encaramos desafios maiores. Falta um bom chão para tentarmos uma escalada como a de Tabuleiro. Talvez esse não seja o melhor momento.

Faz parte e vamos tocando em frente. Pra mim ficou a certeza que dei mais um passo pra frente. Primeira via de parede com bivaque, jumareando 40 metros no vazio, içando 4 mochilas, com grau geral 7o, duas enfiadas de 8o... a coisa tá ficando bem legal, mas o trampo tá aumentando consideravelmente... hehe...

O Dante ainda nos presenteou com um belo vídeo da escalada:



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