quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Rafa contando mais sobre o Baiano...

Depois de um post com poucas palavras sobre a escalada no Baiano, resolvi fazer uma entrevista com o Rafa para saber mais detalhes desta façanha...

Pati: Como foi o bivaque?! Mto desconfortável?!
Rafa: O bivaque é exatamente na base da via... parece que o pessoal deu uma limpada boa no mato, e tem um espaço bem razoável que deve caber umas 4 pessoas deitadas no chão... eu resolvi dormir em uma rede, pq achei que dormir direto no chão não ia ser muito legal... pegamos duas noites bem tranquilas com pouco vento... daí o saco de dormir aguentou bem o frio... acordei muito durante as duas noites, em média de 2 em 2 horas... mas quando acordava a vista do céu estrelado era sensacional!!! hehe...

P: E as enfiadas?! A via é longa e cansativa...
 
R: A via começa com 2 enfiadas beeeem expostas, mas fáceis... a primeira é um 3o grau constante com um lance de 6 que é bem protegido... a enfiada tem 55m e 3 proteções... a segunda enfiada é no mesmo molde da primeira... são 55m e 2 proteções... também um 3o grau constante com um crux de 5sup bem protegido... o guilherme guiou a primeira e eu guiei a segunda... as enfiadas mais difíceis são da 3a até a 8a, mas eu achei elas bem mais protegidas... a regra lá é, se é 3o grau no positivo não tem proteção... começou a ficar vertical, 4o grau, já é mais protegido... lances difíceis (5o, 6o, 6sup) são bem protegidos... daí guiamos 3 enfiadas cada um... o guilherme guiou a 3a, 4a e 5a, e eu guiei a 6a, 7a, 8a... adotamos a estratégia de levar só uma mochila com tudo dentro... assim quem guiava ia sem mochila e o peso todo ficou com quem tava subindo de segundo... pra ser muito sincero não gostei da idéia não... o segundo acabou sofrendo mais que o guia... hehe... a mochila ficou muito grande e era impossível manter o equilíbrio com ela balançando nas costas...

P: Me conta do crux!!!
 
R: O crux fica na 3a enfiada... um 7c que pode ser feito em A0 em duas chapeletas e colocando um cliff entre elas... além disso a saída da segunda chapeleta é bem difícil... lancezinho bem vertical com agarras minúsculas... pisamos na chapeleta e passamos o lance... a 4a e a 5a enfiadas alternam entre lances mais expostos de 3o, e lances mais verticais e menos expostos de 4o grau... quando digo mais expostos, leia-se uma proteção a cada 10m, quando digo menos expostos leia-se uma proteção a cada 5 ou 6m... na P5 tem um platô muito bom que paramos pra beber água e comer...

P: E só tem um crux?!
 
R: O segundo crux fica na 6a enfiada, q eu entrei guiando... um lance de 6sup também bem protegido, bem vertical e com poucas e pequenas agarras abaoladas... acredita no pé, equilibra, vai subindo o pé na mão, colocando a mão no nada e toca pra cima... hehe... na 7a enfiada tem um lance de 5sup num diedro em oposição bem legal, mas menos protegido e ruim de parar pra proteger... passei direto da chapeleta pra não parar (a última chapeleta já estava a uns bons 7 metros pra baixo) e costurei a chapeleta na altura do pé... hehe... a 8a enfiada é parecida com a 4a e a 5a, 3o grau constante com lances de 4o e 5o mais protegidos...

P: E as últimas enfiadas?! Quase sem proteção, é verdade?!
 
R: A P8 é um platô gigantesco que dá até pra desencordar e dormir... paramos lá um pouco pra descansar, beber água e comer... a 9a enfiada o guilherme guiou, e é uma parede bem vertical constante de 5sup, com bastante agarra e bem protegida... incrível achar um pedaço de rocha com essas características há 500 metros do chão... hehe... a 10a enfiada eu entrei guiando, e foi bem mais fácil e exposta... alterna trepa matos com 3 trechos de 10m de altura de rocha... em um dos trechos mais verticais estão as 2 únicas proteções dessa enfiada... mas eu achei bem tranquilo passar os lances sem proteção... as últimas 3 enfiadas não tem proteção intermediária, e são no mesmo esquema da 9a.. trepa-mato alternando com trechos de 10 a 15 metros de rocha... mas agora bem mais positivo, com mais agarras (tipo última enfiada da Sabotadores em Pedralva)... muito tranquilo... só tomamos bastante cuidado pra não errar a linha e não conseguir achar as proteções da parada... daí fomos alternando também... cada um guiava uma...

P: Me conta um pouco sobre o que vc sentiu antes, durante e depois...
 
R: Hummm.. essa é difícil... pra te ser muito sincero, acho que eu nunca tive tanta vonta de escalar uma parede como dessa vez... durante a caminhada até a base, não conseguia conter a ansiedade, e tava sentindo uma vontade alucinante de começar a escalar logo... dia seguinte, quando acordamos, a ansiedade virou medo... como o Guilherme já tinha entrado na Obra do Acaso no ano passado, passei pra ele o papel de guiar a primeira cordada, pra eu me ambientalizar um pouco com a rocha e tudo mais, e me diminuir um pouco a minha ansiedade também... quando entrei guiando a segunda enfiada, de cara tem um esticão de uns 10 - 12 metros, fator 2, mas bem positivo, com bons abaulados pro pé... fiz praticamente todos os movimentos tremendo o corpo inteiro... hehe... depois que o guilherme guiou a 3a, 4a, e 5a, eu subi de segundo e fiquei bem mais calmo e confiante na aderência da rocha... daí pra cima foi só felicidade... eu tava muito confiante nos movimentos e nas colocações dos pés... inclusive acabei mudando o traçado da via algumas vezes, pulando chapeletas, e aumentando a exposição pra passar por trechos de rocha que eu julguei na hora mais fáceis que o traçado da via... e foi incrível! os lances mais difíceis (6sup e 5sup no diedro) eu adrenei pra valer!!! tremi inteiro pra fazer os lances, mas não vaquei... passei um medinho bom... e a partir da 6a enfiada, eu só queria chegar ao cume... chegava na parada, pegava as coisas e tocava pra cima quase correndo... das últimas enfiadas sem proteção eu guiei uma delas... e o nível de concentração e confiança tava tão alto, que me senti super bem... tinham alguns lances bem verticais mas com boas agarras... daí fui usando bem os pés e quando assustava, já tinha passado o lance...

P: Você disse que rapelaram com duas cordas... Vcs levaram duas cordas já com a intençao de usar no rapel?! A mochila fica bem pesada...
 
R: A via tem todas as paradas duplas em chapeletas com argolas... e todas as enfiadas tem aproximadamente 50 metros... então já levamos uma corda dentro da mochila para rapelarmos com duas cordas... como falei a unica decisão na minha opinião errada foi levar somente uma mochila com tudo dentro... ficou muito grande e muito pesada... pra rapelar decidimos rapelar em A usando dois gri-gris (cada um com um) pra ganhar tempo e facilitar o procedimento... e, sinceramente, foi uma mão na roda, e foi muito tranquilo porque ele pesa quase o mesmo que eu... além disso a positividade da rocha ajudou bastante também... agilizou demais...

P: E essa foi a sua primeira parede mais comprometedora, não é?! Como foi tomar essa decisão?!
 
R: Paty, vou te falar que o processo mental de decisão de ir pro Baiano foi complexo viu... hehe... em julho o Guilherme falou q queria tentar de novo a Obra do Acaso esse ano, e de cara eu falei que não... que achava que era muito pra mim, que não tava na hora... daí passou uns dois dias, e aquilo ficou martelando na minha cabeça... e pensei em tudo que eu já tinha passado, e se realmente era hora de me comprometer com uma parada tãããão maior que tudo que eu já tinha feito até então, por todos os aspectos envolvidos: bivaque, tamanho da parede, caminhada de aproximação, etc... como eu já tinha planejado as férias de escalada com a Flavinha, e o curso de escalada móvel já tava engatilhado, resolvi tomar uma decisão... combinei com o Guilherme de escalarmos depois que eu voltasse de férias, e fiquei pensando comigo que usaria as férias como um teste pra ver se eu me sentiria realmente apto a comprometer com a escalada do baiano... depois do curso de móvel e as escaladas em Andradas eu me senti muito bem com a exposição, dificuldade, etc... mas o grande desafio pra mim seria a Evolução... 10 enfiadas, alguns lances expostos, crux de 6sup, e tudo mais... quando eu comecei a guiar a Evolução na 2a enfiada, passei o crux e cheguei no final da 6a enfiada ainda inteiro e com vontade de escalar mais, vi que realmente estaria apto pra fazer o Baiano... ali, enquanto eu estava rapelando da Evolução, eu tinha tomado a decisão de que era realmente o momento de me comprometer com o Baiano... tanto que até comentei com a Flavinha que o teste da Evolução serviu muito bem pra avaliar as minhas condições psicológicas e também físicas...

P: E a escalada rolou bem e vcs chegaram no cume!!! O que mais vc sentiu?!
 
R: Quando eu cheguei no cume, o sentimento de satisfação e de recompensa foram incríveis!!! no final das contas eu achei que o Baiano foi o limite da minha capacidade física e psicológica... pelo grau de dificuldade, grau de exposição, extensão da parede, bivaque a céu aberto, desconforto com o suor e sujeira de 3 dias, e pelas condições da trilha de aproximação (íngreme e fechada)... foi bem parecido com o que eu senti quando fizemos a Bira... acho que dei um passo pra frente na minha zona de conforto, e que abriu possibilidades para novas empreitadas no futuro... hehe...
 
P: E a sensação de chegar no cume e perceber que vcs esqueceram a caneta para assinar o livro?!

R: Hahahahaha... *&#@%$*&#@%$... Vou ter que fazer cume de novo!!!


P: Nossa, que máximo, Rafa!!! Parabéns de novo!!! Fiquei o fds todo pensando em vc, imaginando como estava a escalada no Baiano, e que um dia quem sabe a gente não escala lá em duas duplas, né?!

 
R: Sim, pensei muito em você e no Jorge durante os 3 dias que passei lá... inclusive até tentei te mandar uma mensagem pelo whatsapp quando cheguei na base da via na sexta-feira... hehe... valeu pelo apoio!!!

P: Fantástico, Rafa! Parabéns para vc e para o Guilherme!!! Qual será a próxima grande aventura?! Salinas?! Dedo de Deus?! Riscada?! Hehehehe..
 

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