domingo, 26 de julho de 2015

Frangos na Chapada - Parte 4 - Travessia do Vale do Pati

Depois da torção do tornozelo e do tempo de descanso e testes no Vale do Capão, estava na hora de partir para a próxima parada da viagem: Travessia do Vale do Pati. Considerado um dos trekkings mais bonitos do Brasil, cruza a Chapada de Oeste a Leste, passando pelo famoso vale que da nome à travessia.


A travessia do Vale do Pati pode ser feita em dois sentidos: Oeste para Leste (normalmente iniciando em Guiné ou no Vale do Capão) ou Leste para Oeste (iniciando em Andaraí e terminando em Guiné ou no Capão). Além disso, existem várias "atrações" ao longo da trilha, que funcionam como caminhadas de 1 dia a partir de alguma base dentro do Vale. Depois de muito pesquisar, resolvemos fazer a mais clássica travessia, iniciando em Guiné e terminando em Andaraí, e fazendo 2 caminhadas dentro do vale, para o mirante do Cachoeirão e para o Morro do Castelo. Tudo isso em 3 dias. Seria um tanto puxado, mas pelo nosso preparo físico achamos que daríamos conta.

1o dia
Guiné - Mirante do Cachoeirão - Casa da Dona Léia
Acertamos com o Rafael da Igatu Trekking e Escalada de nos levar até o início da caminhada em Guiné e nos buscar na chegada em Andaraí. Isso facilitaria bastante a logística, e podemos deixar o carro guardado em Igatu.

O início da travessia é a subida para a parte alta da chapada, a partir do povoado de Guiné. Tinha chuvido bastante ao longo da semana, e pegamos um tempo bem nublado com alguns chuviscos esporádicos. Apesar disso, a caminhada transcorreu bem. Passamos pelo primeiro dos "gerais", altiplanos característicos da chapada, até chegarmos na rampa de descida que dá acesso ao Vale do Pati propriamente dito.

subindo...


altiplano


O visual do vale é lindíssimo! Um dos mais bonitos da caminhada. Infelizmente o tempo estava bem feio, mas nada que tirasse a sensação de imensidão do lugar.

visual do Vale do Pati a partir da rampa



Ficamos ali contemplando um pouco e planejando o restante do dia. Como estávamos adiantados na caminhada, decidimos ir para o Mirante do Cachoeirão. Pegamos a descida para o vale (uma pirambeira desgramenta cheia de pedras soltas) e de lá deixamos as mochilas escondidas na trilha e pegamos uma bifurcação para a direita para irmos em direção ao mirante.

descendo

trilha para o mirante do cachoeirão

A caminhada para o Mirante do Cachoeirão é muito famosa e frequentada. A foto do mirante, onde há uma pedra onde se pode sentar na beira do precipício de quase 400 metros de altura, é uma das mais famosas da Chapada Diamantina. Foram 9km de ida e mais 9km de volta de uma trilha plana mas muito enlamaçada (devido a toda a chuva dos dias anteriores). Após encontrarmos outros grupos na trilha, nos perdermos nas lajes de pedra e travessias de rios, chegamos finalmente no mirante. De perder o fôlego!!! Duas cachoeiras de mais de 350 metros de altura, lado a lado, e um vale verde escuro no meio com os paredões de pedra laranja nas margens. Essa foi daquelas vistas que vale a viagem inteira!!!

o mirante...

flavinha perdeu de vez o medo...



Voltamos sob uma fina chuva e por volta das 17:00 pegamos as mochilas escondidas na trilha. Tinhamos a opção de pernoitar na "irejinha" (famoso primeiro ponto de pernoite da travessia) ou tocar até um pouco mais na frente e dormir na casa de um dos moradores do vale. Outro parênteses aqui: dentro do vale, existem várias casas de moradores antigos que oferecem hospedagem, banho quente e comida aos grupos de caminhantes. A maioria dos grupos leva somente uma mochila de ataque e utiliza-se dos serviçoes de hospedagem e alimentação desses moradores para simplificar a logística. Eu e a Flávia tinhamos ido com a intenção de economizar ao máximo, ou seja, acampar e fazer a nossa própria comida.

Voltando à estória, a Flávia estava muito no pique de esticar a caminhada até a casa de um dos moradores, e decidimos então seguir na trilha. Pouco após as 18:00, a chuva apertou e a noite caiu. Nos vimos então molhados, cansados e com pouca visão, caminhando com mochilas pesadas sob uma trilha que mais parecia de argila. Cada passo era um escorregão e uma travada na coluna, por causa do peso das mochilas. Tensão total. Lá pras 19:00 avistamos uma luz próximo à trilha e percebemos que havíamos chegado na casa da Dona Léia, a primeira do vale. Paramos ali, bem molhados, e negociamos uma cama de casal em um quarto na casa, pelo qual a Dona Léia nos cobrou R$30,00 por pessoa. Naquela altura do campeonato, à noite com chuva, resolvemos aceitar o conforto e recarregar as energias. Tomamos um banho frio, fizemos um jantar no quarto mesmo e capotamos na cama.

jantarzinho a luz de velas...

2o dia
Morro do Castelo - Prefeitura
O 2o dia amanheceu um pouco mais promissor: pelo menos não estava chovendo (hehe). as nuvens continuavam dominando o céu, mas a estiagem fez o ânimo voltar e, depois de um café da manhã reforçado no quarto, continuamos a caminhada.

casa da dona léia...


arrumando as tralhas...

estado das botas depois da lama do dia anterior...

Nesse dia, tínhamos a opção de fazer mais uma caminhada extra: o cume do Morro do Castelo. Essa montanha fica bem no meio do vale, e o visual lá de cima prometia uma vista de 360 graus de todo o vale. Novamente deixamos as mochilas escondidas na trilha e começamos a subida somente com uma mochila de ataque improvisada com a tampa da minha mochila cargueira.

A trilha é uma subida constante de aproximadamente 5km. Novamente devido ao volume de chuvas dos dias anteriores, pegamos uma trilha extremamente enlamaçada e escorregadia, ao ponto de tirar o nosso tradicional bom humor. Depois de 1 hora e meia de subida, e várias escorregadas, os nervos estavam à flor da pele. Nem a melhora no tempo, depois que o sol resolveu aparecer de vez em quando por entre as nuvens, estava ajudando. Já quase no cume, a trilha passa por dentro de uma caverna de uns 100 metros de comprimento, que atravessa a montanha da face sudoeste para a sua face nordeste, de onde se acessa um cume falso. O visual lá de cima novamente é impressionante! De lá, podemos avistar uma parte do vale diferente, onde normalmente não se passa. De novo, valeu a pernada e os escorregões na lama.

entrada da gruta no morro do castelo

visual do vale no cume falso do morro do castelo


Depois de uma descida não menos traumática e estressante por causa da lama, chegamos novamente nas mochilas e continuamos a caminhada por mais 2 horas aproximadamente até chegarmos no ponto de pernoite do 2o dia: a prefeitura. A casa era a antiga "prefeitura" do vilarejo, e o nome pegou. Hoje, o morador de lá utiliza a sua estrutura novamente para oferecer hospedagem e alimentação para os caminhantes. Agora o tempo já tinha resolvido melhorar. Sob um céu de brigadeiro, armamos a barraca e ficamos batendo papo enquanto preparávamos a comida para o jantar e apreciávamos o visual de final de tarde com o Morro do Castelo e toda sua imponência na nossa frente.

paradinha para um banho de rio

acampamento na "prefeitura"

daqui realmente para um castelo...

3o dia
Ladeira do Império - Andaraí
Novamente acordamos bem cedo e por volta das 8:00 já estávamos pegando a trilha novamente. O 3o dia é muito famoso pela Ladeira do Império, subida do vale que dá acesso à Andaraí, no final da travessia. Começamos o dia caminhando por uma trilha bem monótona ao longo do rio que corta o vale e pouco mais de 3 horas depois chegamos à base da subida.

Vista de longe a ladeira do império intimida bastante. É possível avistar os intermináveis zigue-zagues que cortam a montanha.


a ladeira do império segue os zigue-zagues à direita do paredão laranja

Começamos então a tão temida subida e o sol apertou. A cada esquina que virávamos, o sol batia mais forte e castigava um pouco mais. Apesar disso, a caminhada monótona mudou completamente. Um visual magnífico do vale ia ficando cada vez mais bonito enquanto subíamos.

no pé do paredão laranja da foto anterior

visual do vale do pati


subindo de novo...


visual mais bonito da travessia


Depois de 2 horas chegamos no final da subida. Agora era só seguir uma leve descida até Andaraí, certo? Errado! Com as panturrilhas já acabadas pelos dias de caminhada com mochilas pesadas, penamos no último trecho da trilha até Andaraí. Descemos por cerca de 3 horas ininterruptas, sob um terreno cheio de pedras soltas e empilhadas. Um martírio no final da caminhada.

descendo de novo...

trilha de pedras chegando em Andaraí

Chegamos em Andaraí por volta das 17:00, completando novamente 9 horas de caminhada. Fomos direto para a sorveteria Apolo, tradicional ponto de encontro para os caminhantes da travessia, onde encontramos com o Rafael que nos aguardava. Tomamos um delicioso sorvete, contamos os perrengues vividos nesses 3 dias, e pegamos a estrada de volta para Igatu.

Final de travessia, final de férias na Chapada. Guardamos a maior atração para o final, e fomos coroados com uma caminhada alucinante, das mais bonitas e diferentes que eu já fiz no Brasil. A imponência dos vales de mais de 300 metros de altura, inclinação das encostas e contraste entre a coloração das pedras e da mata, fazem essa travessia única no Brasil. Infelizmente chegou a hora de pegar a estrada e voltar para casa. Mais uma vez, conseguimos aproveitar as férias exatamente da maneira que queríamos: muita escalada, muita caminhada, muita natureza e muitas experiências novas.

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